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ALBUM CHOROGRAPHICO MUNICIPAL DO ESTADO DE MINAS GERAES: REVELANDO O SIGNIFICADO DAS APARÊNCIAS PELAS PROPRIEDADES CARTOGRÁFICAS

Márcia Maria Duarte dos Santos
Centro de Referência em Cartografia Histórica
Universidade Federal de Minas Gerais

No Album, a descrição e a apresentação dos municípios de Minas Gerais refletem uma concepção do termo “corografia” que remonta à definição de Bluteau (1712-1728):

...Corographia  .... He pois ... descripção de qualquer lugar, payz, ou Região particular, & nisto differe Corographia de Geografia, que assi como a pintura de hum homem, com todas as partes, & proporçoens de mêbros, He differente da pintura de hum braço sómente, ou de qualquer outra parte separada, assi a Geographia He como huma pintura de toda a terra com suas partes, & demarcaçoens, & a Corographia trata sómente de alguma terra em particular, sem ordem, nem respeyto às outras, empregandose mais nos accidentes, & qualidades da terra .[...]  que na quantidade [...].

Não obstante a raiz setecentista dessa concepção, ela não é anacrônica, tendo em vista a época em que o Album foi realizado, pois continua orientando trabalhos nos séculos XIX e XX. O dicionarista Moraes Silva (1813) apresenta uma definição bem mais resumida, mas que não difere da elaborada por Bluteau, ao registrar: “Corografia [...] é a descripção particular de algum Reino, ou Região”. Laudelino Freire (1957) ratifica as definições do termo apontadas anteriormente e destaca as duas ortografias usadas para escrevê-lo como cabeça de verbete em seu dicionário, tal como se apresenta a seguir: “COROGRAFIA ou CHOROGRAPHIA - Descrição de uma região, de um país, de uma província ou de parte importante de um território.”

Na perspectiva dessa concepção, no Album, os mapas municipais são apresentados sem a consideração de qualquer critério geográfico, relacionado que fosse a regionalizações existentes ou situação demográfica, política, administrativa, econômica de cada território, entre outros, que pudessem hierarquizá-los. A propósito, já na capa da obra, seu organizador, Teixeira de Freitas informa que os mapas serão apresentados em ordem alfabética. A importância que este atribui a essa informação pode ser avaliada pelo fato de se apresentar juntamente com outras fundamentais, considerando a natureza do trabalho, quais sejam, as datas dos dados temáticos usados: 1921, tendo em vista os que qualificam os municípios; divisão administrativa anterior à lei n.843, de 7 de setembro de 1923, que se refere ao número e à configuração dos territórios representados (ESTADO DE MINAS GERAES, 1927).

Como não se pretendeu hierarquizar os municípios, aparentemente pode ser considerado que, na concepção da cartografia, se dispensou tratamento diferente àqueles na elaboração de suas representações cartográficas. O leitor do Album, sem qualquer esforço, constata que há mais elementos compondo algumas folhas do que outras. Do mesmo modo, os espaços cartográficos, propriamente ditos, se mostram mais ou menos densos, considerando os signos que os configuram. A par disso, sem qualquer justificativa aparente, alguns mapas foram representados em duas folhas. Qual o significado desses fatos que se patenteiam ao leitor com facilidade?

Para ir além das aparências das pranchas do Album, é preciso esforço analítico visando revelar as suas propriedades cartográficas. Essas propriedades podem ser conhecidas por meio de elementos que indicam aspectos das operações necessárias à construção dos mapas, metodicamente registrados por seus autores, em todas as pranchas, orientados, certamente, pelo plano geral do trabalho. Neste estudo, serão destacados pelo menos dois desses elementos – as legendas e as escalas, focando-se em todos os significados que compreendem e os significantes que engendram, tendo em vista as aparências que causam grande impressão ao se folhear a obra monumental publicada pelo Estado de Minas Gerais, na segunda década dos Novecentos - Album Chorographico Municipal do Estado de Minas Geraes. 

EXPRESSÃO GRÁFICA DE CARACTERÍSTICAS DOS MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS: ASPECTOS INVARIÁVEIS E VARIÁVEIS

No Album, os “acidentes e as qualidades” dos territórios municipais, usando os termos empregados por Bluteau (1712-1728), são informações invariáveis, considerando a sua expressão gráfica. Assim é que invariavelmente a informação temática que qualifica e define os territórios representados compreende cinco componentes, a saber: (i) localidades; (ii) limites; (iii) redes; (iv) relevo; e (v) hidrografia. Esses componentes da informação, entretanto, compreendem elementos que, por sua vez, são variáveis, pois eles podem ou não serem encontrados nos territórios municipais. Essa variância é um dos fatores que explica a maior ou menor densidade dos signos que compõem os espaços representados.

No que concerne ao componente “localidade”, segundo as legendas das 178 pranchas presentes no Album, ele abrange dois subcomponentes, “povoações e outras localidades”, que por sua vez compreendem os seguintes elementos: (i) cidades, vilas, sedes distritais e povoados; (ii) estações ferroviárias e (iii) fazendas. O elemento “cidade” está presente em quase todos os mapas, pois a sede municipal, localizada no distrito que geralmente é homônimo do município, tem, também, de modo geral, aquele status. O elemento “sede distrital” também é frequentemente representado, uma vez que aproximadamente 81% dos municípios estudados possuem mais de um distrito. No conjunto referido, o número de distritos por município se estende de 01 a 18, apresentando frequências variáveis, mas quase 51% dos territórios municipais compreendem de 01 a 03 distritos (Quadro 1).

Os dois últimos elementos do componente da informação em questão, no entanto, nem sempre se encontram representados, assim como o elemento vila. No caso das “estações ferroviárias”, obviamente isso ocorre em razão de o Estado não ser ligado por uma extensa malha ferroviária, atendendo a todos os 178 municípios coevos à realização do Album; e, no das “fazendas”, pelo fato de elas constarem como um indicador da extensão do serviço telefônico, muitíssimo limitado no meio rural, na época. Em relação às representações de vilas, nota-se que os cartógrafos, nas legendas, reservaram essa designação para as povoações que elevadas à categoria de sedes municipais, por força da legislação criadora do município, foram mantidas, excepcionalmente, como vilas. Para diferenciar as “vilas” propriamente ditas das “sedes municipais”, os cartógrafos as inscreveram na legenda usando o seu status político-administrativo, ou seja, “sede distrital”.

Tomam-se como exemplos das representações do componente “localidade”, as pranchas: de Ouro Preto, onde se encontra o número máximo de distritos por município, 18, dentre os casos estudados; de Poços de Caldas, representando os municípios constituídos apenas pelo distrito da sede; e de Sacramento, no qual se encontram representados todos os elementos do componente em foco. Chama-se atenção também para o exemplo do município de Abbadia de Bom Sucesso (Tupaciguara), correspondente ao registro do elemento vila, na sua legenda. Observa-se que a lei que criou o município, n. 556, de 30 de agosto de 1911, desmembrando-o de Monte Alegre, instituiu a povoação como vila (BARBOSA, 1995, p.357).

O componente de informação “limites”, que compreende os subcomponentes internos e externos, é um dos mais importantes dentre os que caracterizam os municípios das Minas Gerais do Album, tanto em relação ao valor que lhe confere como fonte documental, quanto ao impacto causado na concepção da cartografia. Do ponto de vista do valor como fonte de informações, é importante lembrar que a história político-administrativa dos territórios municipais pode ser conhecida, principalmente, através de recursos oriundos da comunicação verbal. O Album representa, então, uma das raras oportunidades de conhecê-la por intermédio da expressão geográfica ou da comunicação gráfica, considerando o período em estudo. A propósito da sua influência no planejamento do Album, deve-se destacar que a representação dos municípios teve que considerar a sua área interna, mas também o seu entorno, para indicar os seus limites, o que certamente influenciou na escolha das escalas dos mapas, como se verá mais adiante.

Tendo em vista o exposto, destaca-se o cuidado dos cartógrafos em registrar as subdivisões político-administrativas dos municípios, em todas as pranchas do Album, assinalando os limites de seus distritos, realçando suas áreas com cores e inscrevendo seus topônimos. Externamente aos limites dos municípios, chama a atenção o cuidado concernente às anotações dos territórios fronteiriços, informando seus topônimos e situação político-administrativa. Como exemplo, cita-se a prancha de Queluz (Conselheiro Lafaiete), entre outras, em que os municípios limitantes são destacados, considerando a fonte usada pelo cartógrafo, em detrimento dos distritos relativos, de fato, às áreas de divisas. Esses distritos, porém, não deixam de ser informados, mesmo com um peso visual menor em razão do tamanho da fonte usada.

Em relação aos limites externos tem muito peso nas representações municipais o elemento relativo aos limites de Estado, cujos signos correspondentes são encontrados em 24% dos municípios em estudo. Nesse caso, os limites ainda são subdivididos: há os que já estão estabelecidos e aceitos e os que ainda são objeto de conflito. Limites aceitos referem-se a todos os estados limítrofes com Minas Gerais - Bahia, Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo; os não aceitos ou em litígio relacionam-se frequentemente aos verificados com São Paulo, a par de um caso, envolvendo, Goiás e o território reservado para ser o futuro Distrito Federal (Quadro 2).

Nas legendas dos mapas, encontram-se signos informando as situações de litígio que são, porém, associados a fases diferentes, o que, em uma análise rápida, pode sugerir combinações de circunstâncias litigiosas muito diferentes, mas que não ocorrem. Os exemplos encontrados nas pranchas dos municípios de Extrema, Monte Santo e Paracatu são particularmente ilustrativos das situações de litígio de Minas, em relação aos estados fronteiriços. Já nas pranchas de Arassuahy e Theophilo Ottoni, enfoca-se o único caso de conflito de limites municipais representado no Álbum.

O componente de informação “redes” é, por sua vez, um dos mais complexos, dentre os apresentados nos mapas municipais e sua representação interfere, muito, na maior ou menor densidade dos signos nas pranchas que compõem o Album. Sua escolha para caracterizar os territórios municipais valoriza, como o componente exposto anteriormente, a obra como fonte documental da geografia histórica mineira. Esse componente se subdivide em dois subcomponentes, compreendendo os que podem ser designados como “vias de transportes” e “meios de comunicação”, e que apresentam também subdivisões. No primeiro, as subdivisões correspondem às categorias hidroviária, viária e ferroviária; e, no segundo, às referentes ao correio, ao telégrafo e à telefonia. Além disso, cada um desses subcomponentes apresenta elementos que, como os componentes que os compreendem, podem ou não caracterizar os municípios representados no Album.

As indicações de navegação fluvial, considerando as legendas dos 178 mapas analisados, permitem também conhecer a frequência do número de municípios que apresentam esse meio de transporte, considerando a data dos dados estudados: 21 ou 12% dos territórios municipais. A par disso, seus registros permitem também especificar as bacias e os rios em que ocorrem essas ligações. Assim, na bacia do rio Grande, no rio que a nomeia e no Sapucaí, verificam-se 67% das ocorrências. Essas são complementadas pelas que se verificam na bacia do rio São Francisco, 33%, no rio homônimo e no Paracatu (Quadro 3). Exemplos da navegação, nas bacias citadas, podem ser encontrados nas pranchas dos municípios de Pouso Alegre e Januaria. O primeiro exemplo foi escolhido também para destacar um fato muito comum, nos municípios da bacia do rio Grande, que apresentam ligações fluviais, relativo à presença de localidades cujos topônimos são compostos pela palavra “porto”.

A rede viária é cartograficamente expressa por meio dos elementos caminho, estrada carroçável e estrada de automóvel. O elemento “caminho” está presente, como era de se esperar, em 100% dos municípios mineiros, enquanto que, sem estar associado a qualquer outro elemento viário, é encontrado em 23% dos territórios citados. A maioria desses territórios, 63%, é caracterizada por estradas carroçáveis, e, apenas 33% registram estradas de automóvel. Na “Minas Gerais” representada no Álbum, a associação de elementos da rede viária, mais frequente, corresponde a de caminho e estrada carroçável, encontrada em cerca de 44% dos municípios (Quadro 4).

Ressaltam-se como exemplos das situações citadas, os mapas municipais de: São João Evangelista, em que se observa a presença apenas de caminhos em seu território; Alfenas e Estrella do Sul que correspondem, respectivamente, aos de associação das vias caminho e estrada carroçável, e caminho e estrada de automóvel. Esses exemplos encontram-se entre os 18 %, tendo em vista os 178 municípios de Minas Gerais presentes no Album, que apresentam apenas a categoria de transportes viários.

Soma-se àquela percentagem, a de 71% dos municípios mineiros que apresentam as duas modalidades de vias de transportes implantadas no Estado, mais frequentemente associadas, as viárias e ferroviárias, exemplificando-se pelas características geográficas do município de Juiz de Fóra. Além desse tipo de associação, assinalam-se os dados referentes às associações minoritárias, mas significativas: das categorias viárias, ferroviárias e fluviais, 7%; e, das viárias e fluviais, 4%. Exemplos das geografias citadas são encontrados, respectivamente, nas pranchas dos municípios Pirapora e Carmo do Rio Claro (Quadro 5).

O subcomponente da informação “rede ferroviária”, por sua vez, compreende os elementos “linha de bonde” e “estradas ferroviárias”. As linhas de bonde estão presentes em poucos municípios, em 3%, nos quais se caracterizam como vias de ligação entre distritos, como mostrado na representação do município de Guarará. Por sua vez, as estradas de ferro construídas são encontradas em 68 % das pranchas do Album, e, em 30 % destas, há indicações de ampliação da rede, fato que se deve destacar, pois não se encontra nenhum registro de ampliação da outras vias de comunicação citadas.

Em relação às vias férreas, as indicações de expansão ocorrem por meio dos registros de: estradas em construção, 24%; em planejamento, 7%, e, em estudo, 0,5% (Quadro 6). A prancha do município de São Gothardo exemplifica a existência de via férrea já instalada e as informações sobre a expansão desse tipo de transporte, enquanto a de Peçanha informa a situação em que se estuda sua expansão. Outro exemplo é o da prancha do município de Três Pontas, na qual se representa uma via já instalada, e, como de modo geral se verifica, nessa situação, o registro de sua denominação, bem como a da ligação em construção.

Os mapas municipais apresentam, também, com muita frequência, elementos da rede de comunicação, correspondentes ao correio, telégrafo ferroviário, telégrafo nacional e à linha telefônica. Todos os 178 municípios das Minas Gerais do Album encontram-se servidos pelos serviços do correio, apenas um, o de João Pinheiro só conta com esse meio de comunicação. A partir das legendas e das imagens dos municípios representados no Álbum verifica-se que mais de 60 % deles se encontram servidos pelos outros meios de comunicação, sendo que, dentre eles, o telefone é o que alcança a maior frequência, registrando-se em 78 dos territórios municipais (Quadro 7).

Na análise realizada a propósito da representação do subcomponente em questão, foram observados sete tipos de associações dos meios de comunicação, assinalando-se as maiores frequências para a que reúne todos eles – encontrada em 34% dos municípios mineiros, e para a que apresenta os elementos “telefone”, “telégrafo ferroviário” e “correio”, presentes em 23 % dos territórios. Exemplificam uma situação e outra os mapas de Viçosa e Rio Casca.

A par dos componentes dos eixos temáticos que caracterizam o Álbum, já apresentados, os mapas municipais destacam também elementos do relevo, assinalando cotas de altitude e formas do modelado terrestre, principalmente as serras e os picos. Na representação das serras, por meio de hachuras, os cartógrafos procuram superar o fornecimento de informações sobre a localização dessas, obtida apenas com a toponímia. No caso, o tipo de representação permite, embora sem a eficácia das curvas de nível, registrar a orientação e dar uma ideia de volume dos elementos do relevo em questão. Outro componente também é destacado, por fim, nas pranchas dos mapas municipais, e se referem aos elementos da rede hidrográfica.

Tanto um como outro componente citado causam muito impacto na maior ou menor densidade das representações dos territórios municipais, sendo que o segundo ainda chama a atenção, por se apresentar, muitas vezes, aparentemente, em desacordo com o nível de generalização das escalas do mapa. Nessas situações, é reforçada ainda mais a impressão de densidade maior de informações sobre um e outro município. São exemplos, as pranchas de Ayuruoca e Ferros.

DESAFIOS DA EXPRESSÃO GRÁFICA: SIGNOS E ESCALAS ESCOLHIDOS

A expressão gráfica do conjunto variável de elementos dos componentes da informação escolhidos para caracterizar os municípios, apresentados no Álbum, deve ter representado um grande desafio semântico e sintático para os cartógrafos que planejaram e executaram as pranchas da obra em questão. A partir das análises realizadas, nota-se que eles procuraram, de modo geral, traduzir as relações lógicas existentes entre os componentes de informação e as que caracterizam seus elementos como se pode asseverar, atualmente, usando conceitos da obra inspiradora de Bertin (1967), sobre semiologia aplicada à cartografia. Esses cartógrafos, entretanto, nem sempre alcançaram sucesso com a tradução intentada, pois embora fossem, ou pelo menos dois eram, exímios desenhistas, escolheram signos e arranjos incapazes ou pouco eficazes com vistas à comunicação das relações pretendidas.

Os cartógrafos foram bem-sucedidos, ou parcialmente bem-sucedidos, ao representarem o componente denominado “localidades”. Todos os elementos desse componente foram entendidos por eles como entes diferentes, embora os que puderam ser relacionados às povoações foram associados e compreendidos como hierarquizados. Essa leitura semântica explica a escolha dos signos registrados nas legendas a propósito do componente em foco, como pode ser visto, por exemplo, no mapa do município de Villa Nova de Lima (Nova Lima).

A propósito dos componentes “redes e limites”, mesmo quando seus elementos podiam ser considerados também como hierarquizados, como no caso dos transportes viários e ferroviários, prevaleceu a compreensão que se deveria representar uma relação de diferença. Para os leitores do Album, no entanto, o reconhecimento dessa relação, ao analisar os componentes da informação e os seus elementos, em uma visada, nem sempre corresponde às intenções enunciadas anteriormente. Os leitores têm também muita dificuldade em distinguir rapidamente um e outro elemento desses componentes, associando o signo que é visto no mapa ao que se apresenta na legenda. Isso pode ser verificado ao se analisar os componentes da informação referida, tomando como exemplo os mapas dos municípios de Sabará e Jaguary (Camanducaia).

Em que pesem as dificuldades encontradas pelos cartógrafos que trabalharam na concepção e execução do Album, visando à caracterização da geografia de cada um dos 178 municípios que o compõem, avalia-se que a definição das escalas cartográficas tenha constituído um dos maiores desafios a superar. As escalas, assim como os signos que configuram as representações cartográficas podem contribuir preponderantemente para torná-las inteligíveis ou ininteligíveis.

Considerando o plano da obra, em todas as pranchas do Album, os cartógrafos, além de representar os componentes invariáveis da informação e os seus elementos variáveis, tinham também que inscrever, fora do espaço euclidiano das cartografias dos municípios: de um lado, elementos de identificação das operações cartográficas de expressão, localização, redução e outros capazes de tornar mais crível e passível de verificação aspectos dos mapas que realizaram; e, de outro lado, vistas parciais ou panorâmicas e de elementos das paisagens geográficas municipais. Assim, podem ser encontrados assinalados, no conjunto das pranchas, títulos, legendas, escalas, coordenadas geográficas, em quadros e cartuchos, geralmente decorados, e outros encartes que informam: a localização do município no Estado; as coordenadas geográficas de fato conhecidas do espaço representado; a área, a população e a densidade demográfica do município, por distrito; a data de realização da prancha e autor; a empresa responsável pela impressão, e outros.

Nota-se que os cartógrafos deveriam registrar todos esses elementos em uma folha de tamanho invariável. Eles tinham, entretanto, conforme se depreende da análise da obra, a liberdade de trabalhar no sentido “retrato” ou “paisagem” da folha, observando, sobretudo, o espaço destinado à representação propriamente dita do município. Por sua vez, esse espaço seria influenciado pela posição astronômica e dimensão da área do município, além do seu entorno, representado pelos seus limites.

Ora, os responsáveis pela concepção do Album devem ter se decidido pelo formato e tamanho de suas pranchas, por razões editoriais, referentes ao porte da obra, a seu custo, entre outras. A decisão de realizar as representações municipais usando apenas uma folha, fato que se associa à maioria delas, 89 %, deve, por isso mesmo, ser creditada a uma decisão refletida e, provavelmente, também relacionada a razões editoriais. Desta feita, as razões poderiam ter versado sobre questões referentes às características do papel e aos resultados de impressão no retro e verso das folhas, usando-se o sistema de litografia.

Afirma-se que a representação dos mapas municipais em folha dupla só acontece em casos em que os cartógrafos tenham verificado a impossibilidade de se alcançar a inteligibilidade da geografia municipal, representando-a juntamente com todos os elementos necessários a sua interpretação e outros para complementar ou suplementar as informações fornecidas nas imagens, arrolados anteriormente. Assim é que os mapas realizados em folhas duplas são encontrados em várias escalas e estão presentes nas quatro classes de escalas que foram escolhidas para seu estudo, em função do valor mínimo e máximo desses elementos (Quadro 8).  

Tendo em vista o exposto, nota-se que as escalas dos mapas municipais variam entre 1:100 000 a 1:1 000 000, respectivamente a maior e a menor que foram encontradas nas pranchas, exemplificadas pelas dos municípios Arceburgo e Paracatu. Esses municípios correspondem, em relação indireta com suas escalas, ao de menor e ao de maior área, entre os 178 representados no Album, para os quais se assinalam respectivamente os valores: 105,79 e 47353,46, em Km2 (Quadro 8). Observa-se também que Paracatu, assim como Theophilo Ottoni e Januaria, que seguem o primeiro entre os mais extensos de Minas Gerais, embora produzidos também com a menor escala verificada nas pranchas estudadas, tiveram que ser representados em folha dupla. Na classe de escala, porém, em que Arcerburgo é representado, encontram-se mapas feitos em folha dupla, citando-se como exemplos Poços de Caldas e Rio Preto.  

Organizando as escalas dos mapas em quatro classes, verifica-se que nas duas primeiras – de 1:100 000 a 1:300 000 e de 1:300 000 a 1:500 000 – são encontradas em 77% das representações dos municípios, ou seja, as maiores frequências observadas são associadas a grandes escalas, definidas assim em termos comparativos às encontradas no Album. Isso pode ser explicado pelo fato de que, nas Minas Gerais da época, embora muitos municípios possuíssem áreas muito grandes, predominavam os de áreas menores. Os dados arrolados sobre os valores mínimos, máximos, médias e medianas, referentes às áreas municipais, e associados às classes de escala estudadas são particularmente demonstrativos dessa situação (Quadro 8).

Considerando os dados estatísticos enumerados anteriormente, sua análise permite conclusões interessantes: a primeira, as classes estudadas não contêm, no seu interior, valores excludentes, crescentemente verificados em classes ascendentes; a segunda, a leitura dos valores mínimos e máximos de cada uma delas, separadamente, aponta uma organização crescente; e o mesmo se verifica para a situação da mediana e média.  Essas constatações vêm demonstrar que não é necessariamente a área o fator determinante da escolha da escala do mapa. Como já se observou anteriormente, a associação dessa característica do município e de outras de sua geografia, da sua posição astronômica e dos elementos invariáveis que deveriam compor as pranchas municipais fora do espaço de representação euclidiano são consideradas nas escolhas das escalas.

OS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO CARTOGRÁFICA DO ALBUM CHOROGRAPHICO: CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Sobre a origem dos dados concernentes aos componentes da informação usados no Album, com vistas à caracterização dos territórios municipais, é importante informar sua origem. A origem e a produção desses dados estão relacionadas à mobilização de vários setores do Estado e dos municípios para a preparação de produtos planejados para marcar as comemorações do Primeiro Centenário da Independência Nacional. Dentre esses produtos, foram produzidos, e vieram a público, produções cartográficas avulsas, boletins de dados e anuários estatísticos. É nas primeiras iniciativas de publicação de dados consolidados e seriados, ou seja, censos ou os chamados anuários estatísticos de Minas Gerais, citando como exemplo o de 1921 (ESTADO DE MINAS GERAES, 1921) que podem ser encontrados os dados usados no Album. E, a partir da análise dessas publicações, no que diz respeito às fontes e metodologias de levantamento e de tratamento dos dados, é que se pode discutir a fidedignidade da informação que deu origem à caracterização dos municípios apresentados na obra estudada.

A análise que foi realizada neste estudo crítico que se apresenta permite apenas afirmar, sobre a questão da sua fidedignidade, que a informação representada no Album deve ter sido ter sido levantada e tratada com o rigor possível. Essa afirmação leva em conta tanto a época, como as condições que podem ser associadas às operações apontadas anteriormente, bem como, e, principalmente, os organizadores dos projetos que resultaram na elaboração, tanto do primeiro anuário estatístico de Minas Gerais, quanto da sua descrição corográfica.  Essa análise, no entanto, com muito mais propriedade, pode constatar que o Album foi concebido para propiciar fundamentalmente a análise geográfica de município por município, eventualmente ampliada, considerando suas divisas e a extensão da representação de elementos dos componentes da informação que caracterizam os territórios do entorno. Como já se afirmou anteriormente, essa análise pode ser facilitada ou dificultada pelas escolhas semânticas – dos signos, e sintáticas – dos arranjos desses signos, efetuadas pelos cartógrafos.

Se há, entretanto, algo a se deplorar a propósito da concepção do Album, que este estudo crítico deixa registrado, é o fato do seu projeto, extrapolando a concepção de corografia que o norteou, não tenha compreendido a apresentação de um mapa de síntese, considerando sempre os componentes da informação que constituíram os eixos temáticos da obra. Do modo como os municípios são apresentados e representados, o máximo, como resultado de análise de conjunto que se pode efetuar, é a verificação de questões referentes à frequência desta ou daquela situação ou característica dos territórios. É preciso um esforço muito grande, para não se dizer um esforço impossível, para tratar da questão da distribuição geográfica de características, entendidas como a principal contribuição de dados representados cartograficamente.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

BARBOSA, Waldemar de A. Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais, Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Itatiaia, 1995.

BERTIN, Jacques. Semiologie Graphique. Les Diagrammes – Les Réseaux – Les cartes. Paris, La Haye: Mouton; Paris Gauthier-Villars, 1967.

BLUTEAU, Padre Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712-1728.

ESTADO DE MINAS GERAES (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL), SECRETARIA DA AGRICULTURA, SERVIÇO DE ESTATÍSTICA GERAL. Annuario Estatistico. Anno 1 – 1921.Bello horizonte: Imprensa Official, 1924.  Volume I ( Situação Fhisica).

FREIRE, Laudelino. Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957.

MINAS GERAES, SERVIÇO DE ESTATÍSTICA GERAL (SECRETARIA DE AGRICULTURA). Album Chorographico Municipal do Estado de Minas Geraes. Bello Horizonte, Imprensa Official, 1927.

SILVA, António de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza. 2ª ed. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813.

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