BUSCAR MUNICÍPIOS

ÍNDICE DE MUNICÍPIOS

INICIATIVA

APOIO

Creative Commons License

ESTUDO CRÍTICO SOBRE OS POVOADOS DO ALBUM

Maria Lúcia Prado Costa

APRESENTAÇÃO

Uma das muitas possibilidades de leitura da cartografia apresentada no “Album Chorographico Municipal do Estado de Minas Geraes” é o levantamento de todos os povoados dos 178 municípios nele representados e a tentativa - nem sempre bem sucedida - de atualização de sua toponímia e de sua jurisdição político-administrativa.

Se já se sabe que em Minas Gerais, em 1920, havia 786 distritos, poucos estudos se centraram nos povoados mineiros.

A compreensão da história dos povoados de Minas Gerais não é tema de somenos, notadamente nos primeiros anos da República, quando o poder local era a base da estrutura política.

Este exercício de jogar luz sobre os povoados de Minas Gerais nos anos 20 e buscar caracterizá-los no tempo presente possibilita, além de evidenciá-los, identificar: os casos de estiolamento de muitos deles; a incorporação ou exclusão de territórios para constituição de novos distritos e municípios; a impressionante compulsão por alteração dos nomes – neste jogo de “quebra cabeça” tão caro aos gestores do território e do poder em Minas Gerais.

A inclusão neste site dos 2.241 povoados e estações ferroviárias elencados dos 178 municípios se insere no esforço de oferecer mais um conjunto de informações extraído desta notável obra da cartografia de Minas Gerais dos anos 20, que é o Album Chorographico. 

CONCEITO DE POVOADO NOS ANOS 20

A primeira dificuldade, entretanto, que se apresenta para o pesquisador é a imprecisão do conceito de povoado na divisão administrativa do estado em 1911, adotada pela obra de 1927. A lei estadual n. 556 de 30 de agosto de 1911, que dispõe sobre a divisão administrativa de Minas Gerais,[1] não traz esta tipologia.

A prospecção à legislação estadual entre esta data – 1911 - e a do Album (1927) tampouco elucida o conceito. É importante lembrar que muitas pranchas dos mapas foram produzidas já em 1922, cinco anos antes da publicação da obra e onze anos depois da lei mencionada.

A primeira constituição estadual republicana de 1891, vigente à época do Album, definia em seu artigo 74 a divisão em municípios e distritos, sem menção explícita aos povoados:

O território do estado, para sua administração, será dividido em municípios e districtos, sem prejuízo de outras divisões que as conveniências públicas aconselharem. (MINAS GERAIS, Constituição 1891, art. 74)

O artigo 75 da mesma Carta esclarecia, no seu inciso I, que a população de cada município que fosse criado não seria inferior a 20.000 habitantes. (Idem, ibidem)

Alternativa de pesquisa sobre o conceito seriam os dicionários histórico-geográficos de Minas Gerais de Joaquim Ribeiro Costa e de Waldemar de Almeida Barbosa – referências obrigatórias no estudo do tema  - e ainda o censo de 1920.

A obra de Waldemar Barbosa, "Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais" (2ª ed. 1995), não se detém sobre o conceito de povoado, na perspectiva da história do território mineiro.

Sobre o tema, o livro de Joaquim Ribeiro Costa “Toponímia de Minas Gerais” (1970), no capítulo inicial “Histórico da Divisão Administrativa”, informa que, logo após a Constituição estadual de 1891, a lei n. 2 de 14 de setembro[2] do mesmo ano já definia requisitos para constituição dos distritos:

Exigia-se para criação do distrito, população não inferior a 1.000 habitantes, ou a renda líquida municipal de um conto de réis [...] por ano, terreno necessário para logradouro público, terreno decentemente fechado nas imediações da povoação para cemitério público e edifícios públicos para a Casa do Conselho Distrital e instrução primária. (COSTA, 1970, p. 27)

Subentendem-se por povoado, portanto, os aglomerados inferiores aos requisitos acima enunciados para reconhecimento de um distrito, especialmente o populacional. Mas o tempo decorrido entre a lei de 1891 e o Album Chorographico (1927), que já trazia dados do censo populacional de 1920, por certo fragiliza o requisito do número mínimo de habitantes para obtenção da titularidade de distrito. Acresce ainda que, entre 1900 e 1920, Minas Gerais teve um impressionante aumento demográfico de 63,8% passando de 3.594.471 para 5.888.174 habitantes. (IBGE, 2015)

Assim, não pode-se inferir se os povoados informados no Album teriam de fato população inferior àquela exigida para um distrito, ou seja, menos que 1.000 habitantes.

CONCEITO E QUANTIFICAÇÃO DE POVOADO NO CENSO DE 1940

Metodologicamente, a compreensão do que se entendia por povoado deveria estar no censo tratado pelo Album, qual seja o Recenseamento Geral de 1920. 

Análise deste, entretanto, não elucidou este conceito. A opção mais imediata seria a pesquisa no censo seguinte. Mas, como se sabe, o censo de 1930, em decorrência da instabilidade política vivida no país, não chegou a ser realizado. Assim, recorreu-se à pesquisa do censo seguinte, de 1940.

Este seria o primeiro censo a ser realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), criado em 1936. A prospecção do conceito de povoado naquele censo em documentos do próprio IBGE[3] também não obteve sucesso.

Referências, contudo, a este conceito no censo de 1940 podem ser pinçadas no “Plano de Eletrificação de Minas Gerais”, de 1950, publicado pela Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais. Este estudo, considerado um marco no planejamento no Brasil, trabalha com dados do censo de 1940.

No volume 1 da obra, dedicado à caracterização do território mineiro, subentende-se que a tipologia de povoado, adotada pelo censo de 1940, associava-se ao número de casas:

[...] uma análise feita com dados levantados para os povoados e número de casas respectivas mostra ser a maior parte da população rural, distribuída por povoados de concentrações inferiores às que permitem uma organização social e econômica razoável. [...] O número de povoados, com mais de 50 casas, existentes em todo o Estado é da ordem de 2.000, e neles há uma população que pode ser estimada em 2.800.000 habitantes, representando apenas 35% da população do Estado. O número de povoados com mais de 20 casas é da ordem de 5.000, e neles há uma população que pode ser estimada em 3.000.000, representando 44% da população do Estado. (MINAS GERAIS, 1950, v. 1, p. 63) (grifos nossos)

O Plano de Eletrificação de Minas Gerais chama atenção para a hegemonia dos pequenos povoados – com mais de 20 e menos de 50 casas – sobre aqueles de mais de 50 casas, tanto em número absoluto quanto em contingente populacional. Em 1940, haveria, portanto, 7.000 povoados sendo 72% (5.000) tipificados como pequenos e 28% (2.000) como médios – segundo o número de casas.

Importante constatar que, segundo a mesma fonte, 79% da população de Minas Gerais em 1940 residiam em povoados. Em perspectiva, pode-se deduzir que os povoados em 1920 também seriam a base da ocupação antrópica em Minas Gerais. Mas a imprecisão do conceito em 1920 ainda persiste.

O MÉTODO

O paciencioso esforço de localizar os povoados nas pranchas dos 178 municípios do Album Chorographico, de listá-los e de buscar sua atual denominação e tipologia de localidade (povoado, distrito ou município) enfrentou muitas dificuldades, tais como: (i) proximidade espacial de topônimos idênticos, nos casos, por exemplo, de estação de estrada de ferro e povoado; (ii) povoado com mesmo nome de sede de distrito; (iii) homonímia de muitos povoados num mesmo município ou em municípios distintos; (iv) escassez de dados dos dicionários histórico-geográficos adotados sobre os povoados pesquisados; (v) ilegibilidade de alguns topônimos; (vi) imprecisão da localização correta dos povoados nas divisas municipais.

A rigor, a atualização político-administrativa de cada povoado mereceria uma nota de rodapé explicando, caso a caso, as peculiaridades, a indicação das fontes consultadas e ainda eventuais divergências entre elas. Mas optou-se pela informação mais simplificada.

Após o levantamento preliminar dos povoados e estações ferroviárias dos 178 mapas do Album, se procedeu à validação dos topônimos através da conferência dos mesmos nas pranchas, por um segundo pesquisador. Posteriormente, se fez a pesquisa de sua atualização político-administrativa através da consulta aos dicionários histórico-geográficos já mencionados. A data de atualização das duas fontes consultadas chegava, portanto, até 1992, ano da divisão adotada pela 2ª edição (1995) da obra de Valdemar Barbosa, estrita à legislação estadual. Como se sabe, depois da Constituição de 1988, os municípios também passaram a poder criar seus distritos.  Para atualização dos dados para além desta data, consultou-se, no site da Fundação João Pinheiro, a Relação dos 1773 distritos de Minas Gerais, datado de fevereiro de 2020.

A atualização político-administrativa passou ainda por três revisões subsequentes, por pesquisadores distintos. Uma primeira revisão se fez para validação das informações. Na segunda revisão, foram cotejados no próprio site os municípios e distritos mencionados como território atual dos povoados pesquisados – para dirimir alguns equívocos comuns a este tipo de pesquisa. A terceira revisão incluiu a data de elevação do povoado a distrito e/ou a povoado, segundo os dois dicionários consultados.

Numa segunda fase, em 2022, os mapas de alguns dos municípios mineiros, datados de 1939, foram outra fonte preciosa para identificação dos povoados do Album. Foram analisados tanto os mapas do fundo do Arquivo Público Mineiro disponíveis online quanto os gentilmente enviados pela Fundação João Pinheiro (FJP) para este projeto. Tais mapas municipais, exigidos pelo decreto-lei de Getúlio Vargas de 1938, já representavam, entretanto, àquela data, configuração político-administrativa diversa daquela do Album (1911) - o que exigiu um esforço metodológico mais intenso. Além do mapa do município sede, pesquiram-se, ainda, os mapas dos municípios emancipados do município maior, até 1939.

Também nessa terceira etapa, foram consultadas 38 Cartas Topográficas elaboradas pela Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais (1891), entre 1895 e 1931, e de seus sucessores: 7 do  Departamento Geográfico e Geológico de Minas Gerais, entre 1932 e 1934; 3 do Serviço Geográfico de MG, entre 1936 e 1939, e 13 do Departamento Geográfico de MG, entre 1939 e 1950. Ao todo, foram esquadrinhadas 61 Cartas.

Não se sabe exatamente quantas cartas foram produzidas ao todo pela Comissão e seus sucessores. O Quadro de União de Folhas impresso no verso da Carta de Muzambinho de 1939 indica o projeto (?) de realização de 83 Cartas, informação ainda a ser mais bem estudada - uma vez que algumas folhas citadas foram impressas depois desta data. O APM dispõe do maior número de Cartas, seguido pelo Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais; pela Biblioteca da Escola de Arquitetura da UFMG; pela  Biblioteca Mineriana da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa e pelo Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP).

Tais Cartas, equivocadamente indexadas como "Cartas Topográficas da Cidade" (sic), pelo APM, apesar de tratarem de recortes de municípios, trouxeram novas dificuldades metodológicas.

Uma delas é que a dilatada e variada periodiziação das pranchas compreendeu três normas posteriores (lei n. 843/1923, decreto-lei n. 148/1938 e decreto-lei n. 5901/1943) àquela adotada pelo Album, referentes à configuração dos municípios mineiros. Outra dificuldade foi a extensão do território representado em cada Carta não corresponder aos limites de um determinado município e, ao se estender para outros, nem sempre trazer-lhes os nomes expressos. Acresce-se também o fato de que o título da Carta nem sempre se referir a um município, como no caso da Carta Topográfica de 1931 de "Laginha (Ipanema)" - indexada equivocadamente como "Carta Topográfica da Cidade (sic) de Laginha". Laginha, naquela data, era distrito do município de Ipanema. Esta mesma Carta representava ainda parte do município vizinho de Mutum e de Rio Preto, apesar de não lhes trazer os nomes expressos no corpo do mapa. A par dessas dificuldades, a pesquisa de tais fontes deu nova luz ao tema dos povoados.

Importante destacar algo bastante recorrente. Muitos dos povoados de 1911 já eram tratados como lugarejos nos mapas anteriores e o seriam também nos mapas posteriores a esta data - indicação da pouca precisão do conceitos de lugarejo e de povoado na primeira metade do século XX. De qualquer forma, as Cartas trouxeram um ganho considerável para a efetividade da identificação dos povoados aqui pesquisados.

Em 2023, foi feita a pesquisa dos povoados no Annuario de Minas Geraes - Estatistica, História, Chorographia, Finanças, Variedades, Biografias, Literatura e Indicações, organizado por Nelson de Senna, em 1913. Em 2024,a pesquisa se estendeu para o Diccionario Chorographico Brasileiro publicado no Almanak Laemmert, de 1925.

ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS

O primeiro levantamento dos topônimos - que não sedes distritais e municipais - inicialmente previsto só para os povoados, se estendeu para as estações ferroviárias, em razão de algumas delas terem se tornado embriões de futuras localidades. Mas não é incomum haver nos mapas o símbolo de estação ferroviária bem próximo ou até mesmo lado a lado ao de povoado – ambos com a mesma toponímia, mas a sugerir tratar-se de locais distintos. Também não é incomum encontrar ao lado do nome do distrito a legenda de estação ferroviária, o que não acontece com as sedes municipais.

Como já bem analisado pela historiadora Maria do Carmo Andrade Gomes, neste mesmo site (2012), o tema do transporte ferroviário registrado pelos mapas do Album ainda aguardava estudo mais verticalizado, em razão da rede de comunicação ser posterior ao da divisão político-administrativa adotada (1911) e, por isso, trazer algumas ferrovias ainda em construção ou até mesmo apenas projetadas.

Na verticalização proposta no presente estudo, foram pesquisadas as estações das estradas já construídas, em construção ou ainda em projeto - que não as das sedes municipais- haja vista tratar-se de estudo sobre os povoados. Em outras palavras, não se fez o levantamento de todas as estações presentes nos traçados ferroviários do Album. Pesquisaram-se, apenas, aquelas informadas pela legenda como estação ferroviária, mesmo que coladas aos povoados e às sedes distritais. A perspectiva é trazer à luz o cuidado do cartógrafo em identificar as estações ferroviárias, como elemento relevante para a ocupação do território mineiro, nos anos 20. 

Constatou-se que, dos 178 municípios do Album, 84 (47%) eram recortados por estradas de ferro instaladas, em contrução ou meramente projetadas e cujas estações estavam legendadas e localizadas isoladamente ou coladas a algum povoado ou distrito, em 1923, ano da maioria dos mapas datados do Album, ressalvando-se que 45% deles não trazem o ano de elaboração.

Para identificação e localização das estações ferroviárias isoladas ou coladas a algum povoado/distrito, identificadas no Album, consultou-se o site Estações Ferroviárias, organizado por Ralph Mennutti Giesbrecht, instrumento fundamental para compreensão do tema. Pelo site citado, foi possível informar a data de inauguração das estações e as respectivas companhias férreas a que pertenciam, à data do Album. Não se informou no presente estudo, contudo, a situação atual das estações, haja vista a constante alteração tanto da razão social das empresas ferroviárias, quanto dos nomes das estações e da condição atual da edificação, na maior parte das vezes já demolida ou abandonada. Os dados extraidos do mencionado site e transcritos neste estudo se restringiram, portanto, até os anos 20.

Na pesquisa sobre essas estações foram evidenciadas, entretanto, algumas contradições entre o site Estações Ferroviárias e o Album, tais como: estações inauguradas em datas posteriores aos dos mapas do Album nos quais constam; estações citadas em localidades distintas daquelas informadas pelos mapas do Album; uma única estação que, entretanto, figura, como duas estações distintas no mapa. Este é o exemplo das estações de Abadia e Martinho Campos, no município de Pitangui, e das de Metalúrgica e Hargreaves, em Ouro Preto.

Exemplos de estradas de ferro em construção, sem estações informadas, podem ser observados nos municípios de Alto Rio Doce e Bocayuva. Exemplos de estações nomeadas em estrada de ferro em construção estão no município de Tremedal, atual município de Monte Azul, e no de Grão Mogol. As estações legendadas em ambos os mapas não foram, contudo, identificadas no site Estações Ferroviárias, o que sugere que nunca chegaram a existir.

Pelo estudo, foi possível identificar as empresas ferroviárias em operação em 1923 em Minas Gerais: Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB); Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM); Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM); Estrada de Ferro Bahia a Minas (EFBM); Rede Sul Mineira; Estrada de Ferro Leopoldina; Estrada de Ferro Paracatu; Estrada de Ferro de Goiás; Estrada de Ferro Mogiana, e ainda Ramal de Curralinho a Diamantina e Ramal de Montes Claros, ambos da EFCB. Desnecessário dizer que muitas delas são resultado de fusão e incorporação de outras empresas anteriores, fato comum à história das ferrovias no Brasil.

Interessante observar que também as estações ferroviárias sofreram alterações de toponímia desde sempre. Muitas delas foram batizadas em homenagem aos engenheiros das ferrovias, ou ao proprietário da área onde se edificou a estação ou a algum político importante. Uma exceção, dentre várias, foi a estação de Independência, no então  atual município de Buritizeiros, inaugurada em 1922 no âmbito do Centenário da Independência do Brasil. 

A importância dada às ferrovias naquela década pode ser dimensionada pelo município de Virgínia, que mesmo sem ter ferrovia alguma, abrigava um povoado denominado Mogiana/ Mogiano.

TOPÔNIMOS

A compilação dos nomes dos povoados permite desenhar um painel das preferências dos nomes conferidos aos lugares. Trata-se de um levantamento meramente ilustrativo, uma vez que muitas expressões aqui destacadas aparecem agregadas a outras também reincidentes. Barbosa (1995) já traz a relação dos nomes recorrentes na toponímia mineira, como Boa Vista, Bom Sucesso, Campos, Retiro, Cachoeira, Cachoeirinha e Buritis.

No Album, os topônimos ligados a Santos, por extenso ou formas abreviadas (S. ou São), Santas (S. ou Sta., Santanna), Espírito Santo são predominantes: 201 casos. Chegaram a 13 os povoados que trazem a palavra Cruz ou Cruzeiro.

A menção à Água, Lagoa, Rio, Ribeirão, Cachoeira/Cachoeirinha, Bica/Biquinha, Olhos dÁgua, Córrego/Corguinho, Cacimba chegou a 106. Nomes com as expressões Morro, Serra, Serrinha, Monte e Pedra somaram 56. Houve 12 ocorrências de povoados com o nome Quilombo, duas delas em Passa Quatro. 

Chama atenção a oposição de adjetivos como Alto/Cima/Meio/Baixo a sugerir a estreita vinculação de povoados próximos. São exemplos: Gambá de Baixo e Gambá de Cima; Gil de Baixo e Gil de Cima, todos no então município de Entre Rios. Ou Bicas do Meio e Bicas de Baixo do município de Itajubá. Ou, ainda Caracol de Baixo e Caracol de Cima, no município de Santa Quitéria, hoje Esmeraldas. Há ainda: Abertão de Cima e Abertão de Baixo no município de Jacutinga. Em Extrema, há Salto de Cima, Salto do Meio e Salto de Baixo. A oposição entre Velho e um Novo povoado é perceptível, por exemplo, em Bento Pires e Velho Bento Pires, em Belo Horizonte. O adjetivo Novo figura em sete povoados, sob as expressões Rancho Novo, Curral Novo e Mundo Novo, na relação total dos topônimos do Album.

Mas imbatível mesmo é o binômio Vieiras Bravos e Vieiras Mansos no município de Oliveira, quase na divisa com Campo Belo - talvez um equívoco do mapa, pois hoje o distrito de Vieiras Bravos pertence ao município de Candeias, emancipado de Campo Belo. 

A repetição de nomes de povoados em um mesmo município é evidente em Ponte Nova, onde há Vau Grande, Vau Assu e Alto Vau Assu. Em Divinópolis, há Cachoeira do Pary, Coco do Pary, Pary e Pary Além. Em Bello Horizonte, há os povoados de Gamelleira e Gamelleiras e ainda a estação de Gamelleira, em pontos distintos.

Retiro/Bom Retiro/Retirinho e Curral/Curralinho são denominações de 28 povoados. 

Assim como Curralinho, Cachoeirinha, Retirinho, os diminutivos também são recorrentes: Sabarazinho, Campinho, Pinheirinho, Tamborisinho, Camilinho, Brumadinho, Serrinha, Aterradinho, Rocinha, Derribadinha, Sertãozinho, Cafesinho, Biquinha, Douradinho, Baratinha, Varginha, Paiolinho.

Há nomes especialmente pitorescos, como Viva Povo, em Rio Piracicaba, Mexerico e Coração de Porco, em Antônio Dias; Porto Cabeça e Meia, em Boa Esperança; Cor. que Ronca em Caracol; Angu Duro, Trinta Reis e Quebra-Pé  em Diamantina; Rua do Fogo em Entre Rios; Porto da Desejada em Grão Mogol; Calla a Boca em Guaxupé; Veremos, em Itajubá; Terra Fofa ou Quebra, em Brasília de Minas e em Januária; Cachorra Parida, em Jaguary; Bem Posta, em Minas Novas; Invejosa, em Passa Tempo; Vinte Alqueires, em Piranga; Papa Gente, em Ponte Nova; Gritador, em Tiradentes; Bairro da Gorda, em Virgínia; Buraco do Bicho, em Queluz; Desempenhado, em Bambuy; Bento Querido, em Entre-Rios.

Por outro lado, há denominações bem simples como Povoação, em Abaeté; Patrimônio, em Jaguary; e Patrimônio dos Creolos, em Muriahé. Posse/Posses aparecem em quatro povoados. A expressão Fazenda, expressa ou embutida entre parênteses, figura em oito povoados, quatro deles em Pedra Branca.

Ao contrário dos nomes de pessoas importantes, tão comuns hoje à toponímia mineira, destacam-se no levantamento dos povoados os nomes próprios simples. Além dos seis povoados denominados Conceição, provável referência a Nossa Senhora da Conceição, há localidades denominadas: Ignacio, Laurinha, Theobaldo, Florentina, Benta, Luzia, Izabel, Jorge, Jurema, Caetano, Fernando, Gaspar, D. Mariquinhas, Suzana e André.

O município de Teófilo Otoni se destaca por trazer povoados específicos ligados à comunidade indígena: Aldeia de Indios Cutyicracs da tribo Botocudos e Aldeia de Indios Machacali. E ainda um inusitado "Pasto do Governo". Cotycracs ou Gutkraks foram uma dissidência dos Kren-hé (Pojichá), dos quais surgiram os contemporâneos Krenak, segundo informação da antropóloga Izabel Missagia de Mattos, autora de estudos sobre o tema.

NÚMEROS

Diamantina foi o munícipio com o maior número de incidências: 82 povoados e 13 estações ferroviárias. Entre Rios, em segundo lugar, apresentou 64 povoados. Houve municípios sem povoado algum, como: Arceburgo; Monte Alegre; Rezende; São Francisco e Silvianópolis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso ter em mente que, diferentemente dos distritos e municípios com delimitações jurídico-administrativas definidas e objeto de legislação, os povoados não apresentavam contornos precisos. Esta indefinição do território do povoado impede afirmar-se ter ele se transformado, a rigor, em determinado distrito ou município. Na realidade, trata-se de embriões sobre os quais se desenvolveram posteriormente alguns núcleos urbanos, mais tarde tipificados como distritos ou municípios, ou que, ao contrário, se mantiveram como povoados até hoje, quando não se estiolaram.

O levantamento dos 2.241 povoados e estações ferroviárias surpreendeu os pesquisadores. Trata-se de um conjunto significativo de informações a serem analisadas.

Entende-se que o diálogo entre o levantamento aqui apresentado, a cartografia analisada e os dicionários histórico-geográficos - sempre reverenciados - possa trazer estudos profícuos sobre a história do território mineiro – notadamente sobre a rica toponímia elencada.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censos Demográficos. Disponível em: https://memoria.ibge.gov.br/sinteses-historicas/historicos-dos-censos/censos-demograficos.html. Acesso em: 30 out. 2017.

MINAS GERAIS. Lei n. 2 de 14 de setembro de 1891. Disponível em: http://dspace.almg.gov.br/xmlui/handle/11037/6666. Acesso em: 2 nov. 2015.

______. Lei n. 319 de 16 de setembro de 1901. Cria diversos municípios, altera divisas e contém outras disposições. Disponível em: http://linker.lexml.gov.br/linker/processa?urn=urn:lex:br;minas.gerais:estadual:lei:1901-09-16;319&url=http%3A%2F%2Fwww.almg.gov.br%2Fconsulte%2Flegislacao%2Fcompleta%2Fcompleta.html%3Ftipo%3DLEI%26num%3D319%26comp%3D%26ano%3D1901&exec. Acesso em: 13 set. 2017.

______. Lei Adicional n. 5 de 1903. Modifica a constituição do Estado em relação ao poder judiciario, ao regimen municipal e ao regimen eleitoral. Disponível em: https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/400. Acesso em: 12 set. 2017.

______.  Lei n. 556 de 30 de agosto de 1911. Dispõe sobre a divisão administrativa do estado e outras disposições. Disponível em: http://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-min.html?tipo=LEI&num=556&comp=&ano=1911&texto=consolidado. Acesso em: 2 nov. 2015.

______. Lei n. 663 de 18 de setembro de 1915. Altera a divisão judiciária do estado e contém outras disposições. Disponível em: http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;minas.gerais:estadual:lei:1915-09-18;663. Acesso em: 13 set. 2017.

______. Lei n. 673 de 5 de setembro de 1916. Cria os municípios de Aimorés e de São Manoel do Mutum e contém outras disposições. Disponível em: http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;minas.gerais:estadual:lei:1916-09-05;673. Acesso em: 13 set. 2017.

______, Lei n. 843 de 7 de setembro de 1923. Dispõe sobre a divisão administrativa do estado. Disponível em: http://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-min.html?tipo=LEI&num=843&comp=&ano=1923&texto=consolidado. Acesso em: 2 nov. 2015.

______, Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado. Plano de Eletrificação de Minas Gerais. Rio de Janeiro. V. 1. 1950.


[1] Após esta lei, houve mais duas que imprimiram pequenas alterações na divisão político-administrativa do estado antes de 1921: (i) lei n. 663 de 18 de setembro de 1915; (ii) lei n. 673 de 5 de setembro de 1916.

[2]Esta lei, contudo, não foi localizada na página eletrônica da Assembleia Legislativa de Minas Gerais nem no Arquivo Público Mineiro. Curiosamente foi encontrada a lei n. 2 de 28 de outubro de 1891 no título “Leis Adicionais à Constituição do Estado de Minas Geraes, decretadas e promulgadas pelo Congresso Legislativo Mineiro” junto à publicação da referida Constituição na página eletrônica da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.

[3]O texto consultado foi “Tendências demográficas: uma análise da população com base nos resultados dos censos demográficos 1940 e 2000” / IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. IBGE, 2007. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/pt/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=234956. Acesso em: 12 jun. 2017.

Maria de Lujan Seabra de Carvalho Costa e Maria Lúcia Prado Costa - Organização
Amilcar Vianna Martins Filho - Prefácio
Maria Aparecida Seabra de Carvalho Cambraia - Planejamento
Márcia Maria Duarte dos Santos - Cartografia
Maria Cândida Trindade Costa de Seabra - Toponímia
Maria do Carmo Andrade Gomes - História
Rodrigo Denúbila | Lazuli Studio - Design e Programação
Arquivo Público Mineiro (APM) - Digitalização do Album
Marina Martins - Estagiária